10 de agosto de 2020

Noite escura da alma

Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.
Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.
Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa, Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.
Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
Em meu peito florido
Que, inteiro, para Ele só guardava
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, O regalava,
E dos cedros o leque O refrescava.
Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.
Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açu
cenas olvidado
.
A NOITE ESCURA DA ALMA


É o nome de um maravilhoso poema de João da Cruz (São João da Cruz, para os cristãos), que já virou canção pela voz da igualmente maravilhosa Loreena McKennitt, fala da jornada de todo aquele que busca mergulhar profundamente na sua espiritualidade. Embora tenha sido escrito por um cristão, não descreve apenas a jornada de alguém dessa religiosidade, mas de todo e qualquer ser que parte numa jornada de profundo encontro com o seu sagrado, seja através de um ou de tantos Deuses. Por isso, o termo “noite escura da alma” ou “noite negra da alma” é muito falado em meios espiritualistas, e até mesmo no Neopaganismo. 
Esse momento, todas as vezes que chega, traz consigo muita inquietação, medos, inseguranças, atribulações... e até um sentimento de travessia solitária. Então, sempre penso no 8 de copas, quando ouço a música da Loreena, quando me deparo com o termo “noite escura da alma”, quando alguém vem me relatar esses momentos difíceis do processo espiritual... por que esse mistério, esse arcano, nos fala exatamente disso. Uma travessia na noite escura de nós mesmos, que é parte da jornada de encontro com o nosso Sagrado. E uma jornada é feita de muitos dias e noites... portanto, de muitas noites escuras. Nesses momentos, é preciso ter calma e entrega, confiança no invisível, é preciso continuar... Daqueles que trilham o caminho contigo, de seu sacerdote ou sua sacerdotisa é preciso sensibilidade, empatia... De você é preciso que entenda, continue, não abandone... persista... entregue e entregue-se... Até se perca um pouco, se for para se encontrar. Pode ter certeza de que vai valer muito a pena. Com o tempo, você olhará esse período com gratidão, como um momento de profundo aprendizado e de amor profundo. Mesmo que às vezes você pareça não conseguir ver, os Deuses são a própria escuridão transformadora, que faz brilhar a sua luz interna. E ela te guiará exatamente para onde deve ir. 
Recomento ler o poema do João da Cruz com os olhos da alma.
Beijos,
Lua Serena