8 de março de 2021

AS VÖLVAS: feiticeiras, xamãs e sacerdotisas nórdicas

 

Os Völvas, também chamadas de seidhkonas, foram um grupo dos mais importantes da religiosidade nórdica antiga, mas, embora possuamos escassos registros históricos, o que temos expressa muito o poder e força dessas personagens.

Eram domínios das völvas a prática do seidr, forma xamânica de prática de magia, que possuía diferentes nuances, tais como, o transe e as jornadas espirituais a outros mundos e dimensões, com ou sem o uso de entógenos, a metamorfose, a alteração da realidade – incluindo do clima, tão duro e fundamental para a sobrevivência dos povos do norte - , além de um dos aspectos mais famosos, as profecias. Freyja e as Nornes são deusas que guardam uma relação muito forte com as völvas.

Freyja, deusa vanir, é considerada por muitos historiadores – podemos citar Snorri, sobre quem se atribui a respinsabilidade pelo Edda - , como a Grande Senhora do Seidr, sendo a responsável por ensinar essa prática espiritual para os aesir. Aliás, foi sob o disfarce de uma bruxa chamada Heidhr (A Brilhante), que Freyja ensinou o seidr para Odin.

Sobre as Nornes, Mirellla Faur, reflete: “É possível que essas mulheres na realidade fossem völvas ou valas (videntes), que desempenhavam as mesmas funções atribuídas às Nornes, usando seus dons proféticos, aceitos e honrados em questionamentos.”[1]

Outro registro interessante, que conecta as völvas com as Nornes e também com Freyja, encontramos no livro Deuses e Mitos do Norte da Europa, da H. R. Elliz Davidson, em que ela traz registros históricos de que as völvas, de tempos em tempos, viajavam em charretes pelas fazenda, para abençoar mulheres grávidas e crianças. Davidson sugere que os registros de tais práticas demonstram a participação efetiva da völva na sociedade nórdica como uma espécie de representante dessas deusas (e também de Frigga), posto que eram chamadas para dar essas bênçãos e dons aos que iam nascer. A autora defende a “ligação com o culto muito popular às Mães emm tempos remotos, o apelo às divindades femininas cuja bênção sobre os recém-nascidos assegurava felicidade na vida”.

Tanto sobre Freyja, como sobre as Nornes e suas relações profundas com as völvas e o seidr, pouco temos de concreto, já que os registros dessa tradição religiosa foram transmitidos ou alterados por historiadores não pagãos. No entanto, como dissemos, o pouco que temos, é suficiente para nos mostrar o quão grandiosas eram essas mulheres e essas deusas.

Talvez o exemplo mais famoso da profecia de uma völva seja encontrado no Völuspá. Aliás, o próprio nome do poema tem relação com as völvas. Völuspá significa algo como “a profecia da grande völva”. Para termos ideia da relevância disso, o poema conta a história da criação do mundo até seu fim no Ragnarök – “O Crepúsculo dos Deuses” – , e conta a história de uma völva que fala com Odin.

Bruxas, sacerdotisas, profetisas, as völvas, geralmente são descritas como mulheres mais velhas e cujas vidas eram devotas às práticas espirituais. Portanto, eram normalmente reclusas, sendo solicitadas em situações de crise, momentos em que eram sempre acompanhadas e amparadas por mulheres mais jovens (presumimos aprendizes).

Prática comum entre povos antigos de diversos lugares no mundo, era o sepultamento com objetos importantes do morto, quando vivo. Especialmente em âmbito religioso, sacerdotes e sacerdotisas, em muitas religiosidades, eram enterrados com seus pertences sagrados. E foi exatamente por essas práticas, que acabamos descobrindo alguns detalhes a mais da vida dessas bruxas sacerdotisas. Relíquias sacerdotais foram encontradas em restos mortais de duas mulheres idosas, no barco de Oseberg, barco nórdico antigo, encontrado enterrado em uma zona rural da Noruega, hoje em exposição no Museu dos Barcos Vikings, em Oslo.

Dentre esses objetos, encontraram uma vara. E isso foi muito importante, pois a palavra “völva” significa algo como “aquela que possui a vara”. A vara, a varinha de poder, o cetro, também pode ser o cajado para a velha caminhar... e ou enfeitiçar, e ou viajar, já que constataram a presença de plantas psicoativas nas varas.

Sabemos que os völvas usavam uma variedade de rituais, como canções e conjurações e, durante a prática do seidr, freqüentemente, caíam em transe para encontrar as respostas para as perguntas que haviam sido feitas. Outra maneira de realizar as predições era por meio de tigelas escuras e água, arte que provavelmente nasceu da leitura oracular em lagos e outras concentrações de águas.

Segundo H.R. Ellis Davidson, “os elementos essencias para essa prática de feitiçaria eram a armação de uma plataforma ou assento elevado sobre o qual o praticante líder se sentava, a entoação de encantamentos, e o estado de êxtase no qual o líder entrava. Esse líder, geralmente era uma mulher, chamada völva. Às vezes, a völva era apoiada por uma grande companhia, que atuava como coro e fornecia música. No fim da cerimônia, a realizadora do seidr podia responder às perguntas que lhe eram feitas pelos presentes, e entendemos que recebia as informações enquanto estava em um estado de transe. “[2]

Fica claro, também no livro de Davidson, que as viagens xamânicas realizadas pelas völvas envolviam percorrer os mundos, através de respostas que essas mulheres traziam ao povo. Há relatos que corroboram a ideia de que as vestimentas delas guardam relação com essas viagens; as peles dos animais que usavam não eram apenas para proteger do frio, mas indicavam em que animais elas se metamorfoseavam para caminhar entre os mundos. Tanto isso é verdade, que na Saga de Erik, O Vermelho, encontramos detalhes muito preciosos sobre as vestes de uma völva chamada Thorbjörg Lítilvölva, nome que significaria algo como “pequena völva”. Na saga, Thorbjörg, feiticeira islandesa, é solicitada para ir a fazendas predizer o futuro e ajudar nos tempos difíceis de inverno. Existe uma linda imagem dessa völva no Saga Museum, Museu da memória das sagas escandinavas, na Groenlândia.

O caráter metamorfo do seidr praticado pelas völvas também pode ter relação com a descrição de que Freyja viajava em uma charrete puxada por gatos. Nós, Elfo e eu, jamais vamos esquecer uma experiência muito forte que tivemos com essa questão da metamorfose quando comungamos pela primeira vez com uma planta de poder. Eu sempre tive uma relação muito forte com gatos... e a primeira experiência que tive com uma planta de poder foi algo que só consegui descrever como me transformar ou estar dentro de um gato e eu conseguia ver cenas através dos olhos desse gato que, ao mesmo tempo, era eu e no qual eu me encontrava. Obviamente, logo depois, me lembrei da minha forte relação com Freyja, não só pelas minhas raízes ancestrais biológicas, mas muito pela ancestralidade espiritual que sinto com essa Deusa amada.

A völvas eram responsáveis pelas bênçãos e cura, pelo alento ou o aviso sobre o futuro. E este pequeno texto é uma forma singela de honrar essas incríveis mulheres, que a história não honrou.

Beijos,
Lua Serena

 

Fontes:

Deuses e Mitos do Norte da Europa, H. R. Ellis Davidson

Mitos Nórdicos, Mirella Faur

Ragnarök, Mirella Faur

 

 



[1] FAUR, Mirella. Ragnarök, o crepúsculo dos deuses, editora Cultrix, página 235.

[2] DAVIDSON, Ellis H. R. Deuses e Mitos do Norte da Europa, editora Madras, página 102.

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