8 de maio de 2019


Sempre conto essa história. E vou contar de novo... 

Nos dois anos finais da minha faculdade (especialmente o último), eu não conseguia ritualizar direito. Na época, eu era uma feliz solitária (como fui por 15 anos), então, fazia minhas práticas sozinha e seguia tudo bem. Porém, no final da faculdade, realmente, a coisa ficou muito feia e eu precise, de fato, mergulhar em TCC, exame da OAB, provas finais. Foi tenso, muito tenso. E cometi o erro de deixar que tudo isso em único plano, pondo de lado minhas práticas. 

Isso me custou quase 2 anos de muitas dores físicas, além de dores na alma. Eu estava sobrecarregada? Mas é claro! Qualquer um estaria! 

Porém, além de ser uma universitária estressada, eu já era uma praticante da Arte e, como tal, vinha de pelo menos umas 9 rodas de ritos ininterruptos de terra-sol-lua (ou roda do ano com sabás e esbás, como queiram chamar). E, parar minhas práticas espirituais foi a pior coisa que eu fiz, pois, percebi em todos os meus corpos a falta que faz estar realmente entre os mundos, celebrando, dançando e honrando os Antigos. 

Desenvolvi uma teoria, já naquela época, e procuro sempre falar isso para as pessoas que são do Antigo Caminho: nossos corpos acabam acostumando de tal forma à energia gerada nos momentos ritualísticos, que isso nos alimenta, nos restabelece, nos limpa, nos cura, nos harmonia. Ritualizar, para nós, é um ato sagrado que, quando realizado corretamente, mantém a nossa homeostase, em níveis multidimensionais (já que somos seres multidimensionais). 

É como para um cristão, que vai à igreja, canta hinos ao seu deus e sai feliz, dando paz de cristo. Só que, claro, com a gente que é pagão, a coisa é tem grds diferenças, são ritos completamente diferentes (foi só para quem não é pagão, pegar a referência). 

E ter constância na prática, é fundamental para não só acessar os mistérios (como todo mundo atóooora), mas principalmente para te alimentar, te reequilibrar. 

Os ritos de terra-sol, que são os chamados sabás, são muito mais que ritos sazonais ou mitológicos sobre o movimento de translação da Terra e os momentos de plantio e colheita. Esses momentos são profundamente importantes para a saúde de nossos corpos e nos conectam com a cura em níveis muito, muito profundos. Além disso, gosto de fazer uma relação desses rituais com o movimento que o bruxo faz no externo, com a nossa atuação externa, nos mundos exteriores. Enquanto isso, os ritos de terra-lua, os chamados esbás, são movimentos internos, em que nós trabalhamos os mundos interiores. Quase como se nos sabás eu trabalhasse o movimento de dentro para fora. Eu trago de dentro de mim a força para criar e gerar fora de mim, daí toda a movimentação de gerar a energia através do êxtase ritualístico frenético que ocorre no fim de nossos ritos (o famoso cone de poder) . Nos esbás, o movimento é de fora para dentro, eu absorvo a energia que vem de fora e me abasteço, me empodero, me curo, me nutro, me armo para o mergulho ao meu interior, para ele seja profundo e para que eu possa absorver todo o ensinamento que o mergulho aos mundos interiores pode me fornecer. Fazemos isso através do ato de puxar a lua para baixo, quando cantamos, celebramos, sorvemos o poder da Lua acima de nós e da Terra tocada por nossos pés. 

É rituais são poderosos instrumentos e chave, portais, para várias coisinhas e romper bruscamente ou celebrá-los esporadicamente acarreta o não aprofundamento e o não aprofundamento de inúmeros ensinamentos e curas. Mas, claro, é preciso fazer uma série de desconstruções, quando se chega na Arte, vindo de uma sociedade que despreza o lúdico, por exemplo. É preciso reaprender a arte das crianças, que enxergam além dos olhos físicos. Crianças são, para mim, seres que estão muito mais entre os mundos, mais abertos ao sutil, ainda não romperam completamente com tudo isso. Como Deuses que são, sabem que a cada noite e dia de suas vidas, mais e mais estarão sendo levados a não lembrar, a crescer, a estar com os pés em um único mundo. Talvez seja por isso, que as crianças lutam contra o sono constantemente. Elas sabem que, ao crescer, podem ser arrastadas a esquecer de que são multidimensionais e que podem acessar esses mundos... Quando adultos, temos que reencontrar essas antigas chaves, mas para isso, desconstrução! É chamar pelos seres, espíritos e deuses até não mais lhe parecer tolo, até fazer sentido... até que um dia, sem que você se dê conta, você nota que foi ouvido. Um dia, você passa a não mais ver, mas a enxergar... 

Então, esses ritos são muito importantes e deixá-los de lado é deixar de se aprofundar no Caminho, em si mesmo e nos mistérios. 

Além deles, existem outras tantas práticas, tantos ritos importantes. Cada vertente terá o seu. Pode ser que a sua vertente nem mesmo siga esse modo de ritualizar, mas certamente tem seus teus ritos sagrados. 

O Caminho da Arte é um caminho extremamente plural, então, falo com base na minha vivência e no que vejo e vivo nesses anos todos. 

Hoje, no Semente Ancestral, que é meu clã, além desses ritos que seguimos, temos nossos ritos e práticas próprios. Isso acontece com vertentes e com pessoas solitárias. A identidade e a forma de um clã ou de uma pessoa vai se fazendo e se firmando, à medida em que o tempo e a prática ocorrem. Tudo isso ultrapassa as receitas, tão úteis no começo, de rituais da internet e de livros. Mas isso só é possível quando nos colocamos em constante movimento. Somos feitos para nos movimentarmos, em todos os corpos que temos. 
Então, se eu pudesse dar um conselho a todo e qualquer praticante da Arte seria esse: pratique. Mesmo que estiver cansado, com preguiça, sem dinheiro, triste, sem ver sentido, pratique. Entregue-se para a constância do movimento e, depois, me conte o que aconteceu em sua vida...
Beijocas,
Lua Serena

Fotinho de parte do nosso clã, depois do nosso último ritual. Festival dos Mortos (ou Samhain) deste 2019.