23 de setembro de 2013

PERFEITO AMOR E PERFEITA CONFIANÇA

É muito comum as pessoas falarem em perfeito amor e perfeita confiança (ou PAPC) como um conceito trazido por Gerald Gardner e sua Wicca, moderna, superficial e purpurinada... tudo aos olhos de quem não compreende profundamente essa religião. Mas meu intuito não é polemizar com o debate Moderno X Tradicional, tão lugar comum que, me desculpem o trocadilho, não leva a lugar algum.
Independentemente de ter essa expressão surgida com Gardner ou com a leitura norte americana da Bruxaria (aqui sempre lato sensu), o fato é que se remontarmos o passado, seguindo as pistas do que nos chegou sobre a Arte (aqui sinônimo de Bruxaria lato sensu) no transcorrer dos anos, podemos ver que esse tal PAPC não é tão moderno assim.
Vamos analisar alguns pontos...
A Bruxaria é essencialmente uma vivência individual, um caminho solitário ou é um caminho em grupo, em clã, em família?
Creio que as duas coisas.
Iniciemos com a velha bruxa solitária... a velha feiticeira, a erveira da aldeia. Sozinha, com seus animais, poções e ervas, a bruxa trabalha magicamente, fala com a natureza e com os mortos. Logo me lembro da velha Yaga... a vovozinha “legal” que faz chacoalhar a vida da jovenzinha com duras tarefas, tirando essa do estado de donzelice e levando-a ao empoderamento.
O que encontramos na narrativa dessa história, por exemplo, é uma entrega por um ideal. A donzela cumpre todas as tarefas, pois se entregou por completo à terrível Yaga, e essa entrega é o perfeito amor e confiança. Na narrativa que a Clarissa Pinkola Estes faz em Mulheres que correm com lobos, vemos isso nitidamente. Lendo essa parte do livro, não tive como não pensar na relação mestre/discípulo que, de certa forma, é a semente dos grupos, clãs, etc.
Todo grupo começou com um mestre e um discípulo... ou quase todos, se pensarmos em grupos que se formam como círculos de estudos e vão se firmando com o tempo. De qualquer dessas duas formas, a máxima do perfeito amor e perfeita confiança estão mais que presentes.
Como estar numa relação dessas sem amor e confiança em plenitude, em perfeição?
Olha, lhes digo que até tem como... mas daí já estaria falando dos descalabros que vemos pelo mundo pagão a fora.
Por falar em olhar, voltemos nossos olhos então para outra direção... Vocês verão que o perfeito amor e perfeita confiança estão lá também.
Analisemos a Bruxaria como algo de cunho familiar essencialmente, além dos solitários bruxos das aldeias já mencionados. Se prestarmos atenção veremos que a Bruxaria quando praticada dentro de um contexto familiar, – o que é bem raro, não se iludam com as mentiras que o povo conta, tem um monte de bruxos que adora contar histórias de pescador sobre sua linhagem hereditária – veremos que o negócio não era nem de longe a banalização que se vê hoje em dia em certos grupos, onde paga-se, faz-se um curso e inicia-se dentro de um grupo. Há pouquíssima abertura para entrar num grupo assim, pois o conceito de família, nesse caso, não é só aquela coisa bonitinha de chamar a iniciadora de mãe e os demais membros de irmãos. É seríssimo e uma traição paga-se muito, muito caro. E deixa marcas talvez tão ou mais profundas que as relações sanguíneas.
Em origem, podemos dizer que há a Bruxaria de raiz, praticada em grupos, em clãs, em famílias (de sangue ou não), e essa noção de família de Bruxos nos foi transmitida muito bem, tanto que, como já disse, é muito comum o uso de mãe, pai, irmã, irmão entre os membros de um grupo.
E aqui cabe a mesma pergunta: Como estar numa relação dita familiar sem amor e confiança em plenitude, em perfeição? Como se faz isso?
Ora, não se faz.
Ou até se faz... dentro de pseudo grupos, onde entra e sai gente como se houvesse ali algum tipo de liquidação rápida, onde há o falar mal entre si, onde há apenas o interesse do ego se sentir massageado... Mas aí já temos outra história.
Se analisarmos a Arte como uma releitura, um “algo que sobrou” de antigas religiões (ou proto religiões) pagãs, em que havia o sacerdócio aos Deuses pagãos, havia uma senda de mistérios iniciáticos, etc, então fica até mais nítido encontrar ali a noção do PAPC. Como vivenciar uma relação dessas sem perfeito amor e perfeita confiança? Pergunto novamente.
Então, esse conceito me parece bastante inerente à Bruxaria, por onde quer que eu vá buscar as origens e desenvolvimento da mesma, acabo sempre encontrando essa questão de amar e confiar como um fio que conecta os membros de uma relação em grupo ou de mestre e discípulo.
Contudo, agora voltando os olhos para o presente e para os praticantes de hoje, será que de fato esse tal de PAPC é bem trabalhado entre pagãos de um mesmo grupo?
Bom, não posso falar por grupos dos quais não faço parte. Tampouco quero falar do meu grupo – dele já basta o trabalho que me dá. E dá muito trabalho mesmo, pois dentre tantas coisas, o PAPC é algo que se constrói com o tempo, algo que se cuida a todo o momento.
Isso acontece por que de alguma forma os seres humanos tem uma tendência muito grande em atacar o outro, mesmo que esse outro esteja no seu time. Me parece ser uma ânsia por amor, por atenção, por ser melhor que o outro para se sentir mais importante e, consequentemente, mais amado, mais querido. Como se diminuir o outro, evidenciando seus aspectos frágeis (ou inventando alguns) fosse fazer alguém mais amado, mais feliz.
Então, dá um tremendo trabalho auxiliar as pessoas no processo de entender que atacar o outro não fará delas alguém mais amada... e que alguns atos de ataque dentro de grupos pode se tornar um câncer e levar esse mesmo grupo à destruição, como uma bola de neve que começa pequenininha e vira um monstro que arrasa com tudo. E então a pessoa que provocou aquilo perceberá o que causou e será a que mais vai sofrer, pois suas ilusões e carências lhes causaram exatamente o contrário de que buscava.
Se ela pudesse entender a si e suas emoções, se pudesse trazer essas sensações para fora, se mostrando com todo o coração, veria o quanto pode ser amada por todos os demais.
Um bom exercício para fazer em um grupo, quando surge a pequena bola de neve da falta de amor, é perguntar às pessoas que estão tomadas por esse desamor: No que esses comentários, palavras, etc, vão ajudar o grupo ou a pessoa a qual se referem?
Em geral, há uma pausa e reflexão entre os envolvidos. Vocês os ajudam a voltar à realidade de suas ações e a entender que a falta de amor que há em si pode ser a ausência de amor no grupo e sua consequente quebra.
É importante lembrar também que não podemos exigir que o outro expresse esse amor ao grupo, se ele não tem por si mesmo. Ninguém consegue dar aquilo que não tem em sua vida. Então, antes de exigir, dê, doe, emane e ensine o outro a fazer nascer o amor dentro dele, primeiro por ele, pois o amor pelo outro vai brotar assim que ele passar a se amar. Depois disso, você “só” precisará lembra-lo de que esse amor está sempre presente, mesmo quando parece ausente.
Mas para que esse amor exista, precisamos confiar... E aqui é um grande desafio para muitas pessoas. Como confiar que o outro me ama? Como confiar que todos estão na mesma sintonia?
Na verdade, paradoxalmente, a resposta para essas questões está no próprio amor. Uma vez que aprendemos a amar a nós mesmos, deixamos emanar esse amor e aprendemos a amar o outro, e ensinamos a amar o outro e aprendemos a confiar, pois entendemos que confiar em alguém não significa que foi feito um voto de infalibilidade, não significa que o outro jamais vai te magoar. Mas significa que o outro, humano como você e com as curas dele, também está disposto a amar a si, emanando ao outro, aprendendo e ensinando a amar o outro e consequentemente confiando.
E então encontramos as chaves para o sucesso de um grupo.
Fácil?
Não, mas possível se todos estiverem envolvidos de verdade em seus processos de cura e dispostos a trabalhar em grupo e pelo grupo.
Perfeito amor e perfeita confiança não é uma máxima exclusiva da Bruxaria Moderna, da Wicca, nem da Bruxaria em sua essência, mas uma dica para a Humanidade e suas relações. É um toque, um norte, uma possibilidade tangível, não uma utopia, como muitos dizem. Mas para que se efetive, é preciso se entregar como a donzela se entregou para a terrível Baba Yaga, cumprir todas as tarefas, prestar atenção, ser diligente e estar disposto a mergulhar dentro de si e buscar o amor e a confiança em si primeiro, pois, de novo, não podemos dar ao outro aquilo que não temos.
Abraços,
Lua Serena

12 de setembro de 2013

O CULTO AOS ANTIGOS DEUSES

Como pagãos, dizemos que cultuamos Deuses.
Cada um de nós tem um jeito de encarar isso, seja politeísmo, panteísmo, duoteísmo, dentre outras tantas formas de “teísmos”. Mas o fato é que todos nós temos alguma deidade – ou algumas – de coração. A essa relação de coração chamamos de culto.
Mas...O que realmente significa cultuar uma deidade?
Será que cultuamos mesmo ou fazemos dos Deuses um monte de potes de desejos, aos quais recorremos quando queremos algo?
“Vou cultuar Afrodite, amo Afrodite... Iupi! Sou super ligada em coisas do amor e desejo arrumar um namorado urgente.”
Será que os cultuamos ou os encaramos como signos para encontrar desculpas para certas condutas?
“Sou filha de tal Deus, por isso sou assim.”
Será que esses são exemplos de quem realmente cultua alguma deidade?
Em primeiro lugar é muito importante que nós pensemos na palavra “culto”.
Essa palavra vem do latim e significa cuidado, trabalho; cultivo, reverência. Acho bem interessante que ela guarde relação com cultivo, que lembra o trabalho com a terra... Será que isso não deveria fazer mais sentido ainda para pessoas como nós? Pessoas pagãs... pessoas do campo? Pois é.
Obviamente os tempos mudaram e poucos de nós são do campo... Somos os neopagãos, aqueles moderninhos que buscam informações sobre os queridos e antigos Deuses na internet. Ok, mas em nossa essência ainda somos aquele antigo povo da terra, que olhava as estrelas e sentia os ciclos da vida na natureza em nossas próprias vidas. Ser pagão, um neopagão, é resgatar isso e trazer para o cotidiano, muitas vezes cosmopolita, o cuidado, o cultivo, o trabalho com os Deuses Antigos... honrando e cultuando o antigo no moderno.
Esse é nosso papel.
E como atores de tal papel, temos o culto, o cultivo, o trabalho com os Deuses pagãos, os Antigos. Isso significa muito mais do que acender uma vela rosa para Afrodite ou vermelha para Osíris. Muito mais.
Primeiro, significa que devemos estudar determinada deidade. Esse é o primeiro passo. Busque informações em fontes confiáveis. Na dúvida, opte sempre pelos livros. E, dentre esses, busque informações sobre quem os escreveu. Verifique o que se comenta sobre determinado autor. Mas busque nadar contra a corrente, ouça os argumentos também de quem não gostou da obra daquele autor. Aprendemos mais ouvindo os muitos lados das histórias. Seja crítico.
Segundo, dê preferência a obras que vão além do óbvio e superficial. As obras superficiais são sempre iguais a outras tantas e pouco – ou nada – se aprofundam na cultura do povo ao qual determinada deidade está relacionada. E estudar a cultura, o pensamento, a forma de vida de um povo que cultuava aquela deidade é extremamente importante. É, na verdade, imprescindível para compreender uma deidade, pois todas as informações que temos dos Deuses vêm por intermédio de seres humanos. E seres humanos possuem limitações e contornos que são baseados em um contexto histórico, em uma forma de pensar própria que
vai diferir um muito da forma como hoje encaramos um culto a qualquer coisa, no Brasil, do ano de 2013, por exemplo.
Uma boa dica é ir atrás de obras “chatas”. Entre aspas por que a maioria das pessoas vai achar chato o que é bom, o que vai te fazer raciocinar, o que precisa pensar, o que nos leva a colocar a cabeça para fazer relações e correlações. A maioria das pessoas prefere as receitas prontas e as tabelas de classificação dos Deuses, uma coisa mais ou menos assim:
AFRODITE: deusa do amor e da beleza. Gosta de rosas, a pomba é seu símbolo e seu dia é a sexta-feira.
Então, pega-se uma rosa e uma foto de uma pomba e acende-se uma vela para essa Deusa na sexta-feira, pedindo um novo amor.
Isso culto?
Afrodite ouvirá?
Bem, aí entramos em outras tantas questões... Mas o fato é:
Essa pessoa se ama a tal ponto de atrair um amor para sua vida? Essa pessoa busca um amor ou busca uma fuga para a imensa falta de amor e para o enorme sentido de desvalor de si mesma?
Ainda bem que os Deuses não são saquinhos de desejos, se não estaríamos perdidos!
E outra coisa: culto aos Deuses não é isso.
Cultuar uma Deidade envolve estudos, como já falei, mas envolve também o trabalho em si. Ou seja, depois de estudar uma deidade, é hora de se conectar com ela.
Estudar antes é importante por que do contrário, corremos o risco de “viajar na maionese” na hora de nos conectarmos com uma deidade. Se bem que os perigos da viagem na maionese sempre existirão... Mas o estudo, o tempo de prática, a auto-observação, a conversa com outros praticantes, a autocrítica e outros artifícios ajudam a minimizar essas “jornadas hellmísticas”.
Estude e vá se conectar. Medite com os Deuses, mas não faça disso uma coisa chata, maçante e massacrante. Existem muitas formas diferentes de meditar, uma delas é dançando. Se você ao invés de praticar o meditar, vc pratica o “me deitar”, experimente movimentar seu corpo enquanto visualiza uma jornada ao templo de determinado deus ou deusa. Feche os olhos e
dance, balance seu corpo... isso pode ser muito útil aos que não conseguem ficar parados, relaxados, mas com a mente atilada para uma jornada.
Nessas meditações, jornadas, encontros, não importa o nome, é que estabelecemos uma aproximação real com a deidade que queremos cultuar. Esses momentos são muito bonitos e repletos de experiências inesquecíveis que, aos olhos de quem nunca vivenciou, são bobagens, coisas diminutas que alguns superestimam... mas para quem vivenciou, ao menos uma vez, essas experiências, sabe do que estou falando.
Pois bem. Depois de estabelecida a conexão entre nós e a deidade – e isso não se faz apenas em um cinco minutos em que você imagina o Deus lá na sua frente – é hora de trabalhar aqui no físico, aqui no tridimensional. É hora de ritualizar.
Aí vêm as oferendas, as festas, a dança, o riso, as invocações, as celebrações, a comunhão. E talvez, TALVEZ, venham os pedidos. Digo talvez por que, ao contrário do que se vê por aí, cultuar não é barganhar com o invisível... Tipo, “Te faço uma oferenda e você me dá riqueza”.
Conforme vamos praticando a Arte, percebemos que o buraco é muito mais embaixo, e que somos responsáveis, somos moldadores de nossa realidade não só por meio de feitiços ou de oferendas aos Deuses, mas em nossas ações. E quando essa noção toma conta de nossas vidas, o que mais fazemos é agradecer, é festejar junto aos Antigos pela nossa capacidade de vivenciar os ciclos da vida como moldadores da nossa própria realidade. Eis o mais incrível desejo que os Antigos podem realizar, eis o maior poder que podemos receber dos Deuses que cultuamos, que cuidamos... pois com eles trabalhamos. Juntos. Sempre.

Beijos,
Lua Serena