Para alguns de vocês, talvez seja
uma Deusa pouco sabida, então, deixe-me apresentá-la:
Ixchel talvez tenha sido uma
Deusa das mais importantes da civilização maia, no geral. Digo no geral,
porque, ao contrário do que nos parece, quando lemos sobre eles, os maias eram
extremamente diversos. Algumas etnias eram, inclusive, inimigas entre si, tendo
guerreado continuamente por muitos anos. Porém, de modo geral, podemos dizer
que, do que ficou registrado para nós da História maia, e no que concerne a
Deusas, Ixchel é, sem sombra de dúvida, uma das mais relevantes daquele mundo
antigo.
No início deste ano de 2020, tive
a oportunidade viajar ao México, numa verdadeira imersão ao mundo maia.
Conhecemos 3 estados, Campeche, Quintana Roo e Yucatán. Foram momentos,
obviamente, maravilhosos, entre paisagens naturais incríveis, como os cenotes
indescritíveis e as praias de uma água azul inimaginável, entre monumentos
enormes, imponentes como os de Cichen Itzá, Tulum, Edzná, Uxmal, Cobá, até
grandes mistérios do Feminino que ali se descortinaram para nós. E, é claro,
Ixchel foi quem guiou nossos passos.
Fomos a dois lugares conhecidos
como sagrados dela, Cozumel – onde tirei a foto noturna que vocês podem ver
neste artigo – e Isla Mujeres – onde tirei a foto de dia.
Foram momentos de muita emoção e
que aguçaram muito a minha vontade de mergulhar nos mistérios maias femininos.
Isso foi desperto em mim não só por já amar Ixchel há alguns anos, mas por
estar ali... bem pertinho dos mistérios, recebendo pistas de um passado maia
pouco falado, pouco tratado. Um passado que é feminino e extremamente poderoso.
Em Cozumel, ilha localizada em
Quintana Roo, e que está historicamente ligada à Ixchel, por ter sido local
fortíssimo de culto, ficamos um pouco decepcionados ao ver que pouco foi preservado
dos mistérios de Ixchel. Ali conhecemos o sítio arqueológico de São Gervásio
(que, concordem comigo, deveria ter o nome da deusa, não é mesmo?!). Trata-se
de um local bem preparado para receber os turistas, mas que pouco, de fato,
traz a raiz da força dessa Deusa.
Curiosamente, onde senti muito
mais sua força e presença, foi em Isla Mujeres, onde as ruínas sofreram mais a
ação do tempo, mas que fica num ponto tão espetacular da ilha (punta sur), que
é possível se transportar para o passado maia, ao pisar ali.
Logo que você chega na punta sur,
você dá de cara com a imagem de Ixchel mãe, que acompanha este artigo. É bem
cuidada, poderosa, amorosa e forte. Então, você segue caminhando até a “ponta
da ponta da ponta” da ilha, onde há um estreito com muitos níveis que dá para a
imensidão do mar azul turquesa. Acima de tudo estão as ruínas do templo de
Ixchel. Ali, é possível caminhar por toda parte daquela espécie de penhasco,
mas há uma pequena plaquinha que nos diz para não subir nas ruínas, e que ali
era o templo da Deusa Ixchel, no passado e uma espécie de monastério para
mulheres devotas da deusa. É maravilhoso, poderoso e emocionante... Nessa mesma
ida a Isla Mujeres, tivemos a oportunidade de fazer um mergulho nas profundezas
daquelas águas. Foi sensacional!
De tanto olhar ruínas, seu olhar
se apura e você consegue ver detalhes incríveis. E muitos detalhes que vimos,
em diversos locais, foram imagens de rainhas, mulheres, figuras femininas que
ninguém sabia nos dizer muito a respeito. Dá para entender... poucos se
importavam em registrar grandes mulheres, Deusas, rainhas... então, há muita
imagem, e pouquíssima informação.
Conseguimos com uma moça, numa
livraria, um livro sobre la reina roja, sobre uma figura feminina muito
importante de Palenque, no Estado Chiapas. Ouvimos muitos falarem sobre Isla de
Jaina e alguma relação com o feminino poderoso maia... muito por alto.
Até que, voltando de um de uma de
nossas incursões pelos lugares sagrados, vimos uma espécie de lojinha bem raiz,
na beira da estrada. Paramos para procurar algo bacana para comprar.
Qual não foi a nossa surpresa
quando entramos!
A loja era de um artesão
fantástico, um homem que muito conhecia sobre a história maia e que fazia
réplicas de imagens encontradas em sítios arqueológicos. E, dentre muitas
lindezas, havia muitas (MUITAS) imagens femininas. Eu o questionei a respeito e
então ele abriu livros, caçou imagens impressas que guardava e nos ensinou
muitas coisas. Dentre muitos de seus ensinamentos, ele nos falou mais sobre a
Ilha de Jaina, e que a maioria das imagens de que eu perguntava foram
encontradas lá.
A Ilha de Jaina é uma ilha
mortuária artificial que os maias construíram (isso mesmo que você leu), é
proibido entrar ou passar perto dela. Precisa de autorização do governo
mexicano para ir até lá. Não precisa nem dizer que nós tentamos, não é mesmo?!
Pois é, mas não conseguimos.
O fato é que as imagens femininas
ali encontradas, e que o artesão replicava, mostram e comprovam a força do
feminino maia, obscurecido, invizibilizado pelos olhos que registraram o
passado desse povo. A maioria delas retrata Ixchel em diversas faces. As mais
comuns são de Ixchel mãe, como uma mulher madura, porém jovem. Essa é Ixchel
que fornece a fertilidade aos povos. Geralmente ela carrega peixes, que é o
alimento principal por toda a costa, claro. Seus seios à mostra são fartos,
férteis e ela tem uma beleza extremamente sensual. É retratada como uma mãe
muito sensual, a própria figura da fertilidade. Com ela às vezes se vê uma
figura de um coelho ou de um homem velho ou de um menino... todos são faces de
Itzamna, uma das divindades masculinas mais importantes para os maias, criador
do céu e da terra e do famoso calendário maia. Às vezes ela está como uma mãe zelosa
a cuidar dele, noutras a imagem claramente mostra uma união sexual, afetiva, um
casal sagrado. Algumas imagens também mostravam Ixchel velha, a terrível
senhora da morte e dos finais, que sempre vem, mas a maioria era de Ixchel como
a grande mãe daquela terra e daquele povo.
Tudo isso nos ensinou muito sobre
a força e a importância dessa Deusa. Vimos in loco e tivemos a certeza de que
há muito escondido, não descoberto, perdido, não visto... não revelado.
Quando lemos sobre Ixchel, sempre
vemos associação dela com os animais, especialmente o coelho (Itzamna seria,
então, a marca da lebre que vemos na lua associada a Ixchel?), a aranha e a
serpente. A serpente, inclusive, sempre está entrelaçada a ela e subindo ao
topo de sua cabeça. Sempre. O que nos diz que ela é a senhora de tudo que
transforma, senhora da vida e da morte – o que, curiosamente, vamos ver em
outras deusas das serpentes pelo mundo.
Ixchel é também chamada de
Senhora do arco-íris. O que não me deixa esquecer da própria relação da
serpente com o arco-íris, do próprio Kukulcan, a serpente emplumada. Fica aí a
pista do mistério...
Ela muitas vezes é chamada de “a
branca”, por sua relação com a lua em si e com o aspecto feminino da lua, que
rege os ciclos femininos e as marés tão importantes para a fertilidade do povo
maia. Ixchel é, acima de tudo, uma grande mãe provedora, nutridora, protetora
da vida, dos partos e aquela que, fiandeira aranha e tecelã que é, dá o fim
quando é chegada a hora de partir.
Tudo isso ficou muito claro para
mim, ao estar tão próxima da história, por estar no solo sagrado dessa grande
Senhora.
Convido vocês que não a conhecem,
a conhecê-la.
Para agradá-la, de a ela alguns
presentes.
Ela gosta de conchas, flautas,
apitos, caracóis e espirais. Mas acima disso, ela gosta de generosidade, de
ações justas. Ela gosta de coragem, ela gosta de atos sinceros. As melhores
oferendas a Ela são as que são compostas de bravura, de honra, de amor, de
respeito e de desapego.
Ela é uma Grande Mãe, com mãos terríveis
e benevolentes. Ela é a pergunta e a justa resposta, ela é a senhora do sempre
e a justa medida de todas as coisas.
Fale com ela, e eu tenho certeza
de que será um reencontro inesquecível.
Um abraço,
Lua Serena
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