26 de fevereiro de 2021

IXCHEL: A Grande Matriarca Maia

Gostaria de falar a vocês sobre Ixchel.

Para alguns de vocês, talvez seja uma Deusa pouco sabida, então, deixe-me apresentá-la:

Ixchel talvez tenha sido uma Deusa das mais importantes da civilização maia, no geral. Digo no geral, porque, ao contrário do que nos parece, quando lemos sobre eles, os maias eram extremamente diversos. Algumas etnias eram, inclusive, inimigas entre si, tendo guerreado continuamente por muitos anos. Porém, de modo geral, podemos dizer que, do que ficou registrado para nós da História maia, e no que concerne a Deusas, Ixchel é, sem sombra de dúvida, uma das mais relevantes daquele mundo antigo.

No início deste ano de 2020, tive a oportunidade viajar ao México, numa verdadeira imersão ao mundo maia. Conhecemos 3 estados, Campeche, Quintana Roo e Yucatán. Foram momentos, obviamente, maravilhosos, entre paisagens naturais incríveis, como os cenotes indescritíveis e as praias de uma água azul inimaginável, entre monumentos enormes, imponentes como os de Cichen Itzá, Tulum, Edzná, Uxmal, Cobá, até grandes mistérios do Feminino que ali se descortinaram para nós. E, é claro, Ixchel foi quem guiou nossos passos.

Fomos a dois lugares conhecidos como sagrados dela, Cozumel – onde tirei a foto noturna que vocês podem ver neste artigo – e Isla Mujeres – onde tirei a foto de dia.

Foram momentos de muita emoção e que aguçaram muito a minha vontade de mergulhar nos mistérios maias femininos. Isso foi desperto em mim não só por já amar Ixchel há alguns anos, mas por estar ali... bem pertinho dos mistérios, recebendo pistas de um passado maia pouco falado, pouco tratado. Um passado que é feminino e extremamente poderoso.

Em Cozumel, ilha localizada em Quintana Roo, e que está historicamente ligada à Ixchel, por ter sido local fortíssimo de culto, ficamos um pouco decepcionados ao ver que pouco foi preservado dos mistérios de Ixchel. Ali conhecemos o sítio arqueológico de São Gervásio (que, concordem comigo, deveria ter o nome da deusa, não é mesmo?!). Trata-se de um local bem preparado para receber os turistas, mas que pouco, de fato, traz a raiz da força dessa Deusa.

Curiosamente, onde senti muito mais sua força e presença, foi em Isla Mujeres, onde as ruínas sofreram mais a ação do tempo, mas que fica num ponto tão espetacular da ilha (punta sur), que é possível se transportar para o passado maia, ao pisar ali.

Logo que você chega na punta sur, você dá de cara com a imagem de Ixchel mãe, que acompanha este artigo. É bem cuidada, poderosa, amorosa e forte. Então, você segue caminhando até a “ponta da ponta da ponta” da ilha, onde há um estreito com muitos níveis que dá para a imensidão do mar azul turquesa. Acima de tudo estão as ruínas do templo de Ixchel. Ali, é possível caminhar por toda parte daquela espécie de penhasco, mas há uma pequena plaquinha que nos diz para não subir nas ruínas, e que ali era o templo da Deusa Ixchel, no passado e uma espécie de monastério para mulheres devotas da deusa. É maravilhoso, poderoso e emocionante... Nessa mesma ida a Isla Mujeres, tivemos a oportunidade de fazer um mergulho nas profundezas daquelas águas. Foi sensacional!

De tanto olhar ruínas, seu olhar se apura e você consegue ver detalhes incríveis. E muitos detalhes que vimos, em diversos locais, foram imagens de rainhas, mulheres, figuras femininas que ninguém sabia nos dizer muito a respeito. Dá para entender... poucos se importavam em registrar grandes mulheres, Deusas, rainhas... então, há muita imagem, e pouquíssima informação.

Conseguimos com uma moça, numa livraria, um livro sobre la reina roja, sobre uma figura feminina muito importante de Palenque, no Estado Chiapas. Ouvimos muitos falarem sobre Isla de Jaina e alguma relação com o feminino poderoso maia... muito por alto.

Até que, voltando de um de uma de nossas incursões pelos lugares sagrados, vimos uma espécie de lojinha bem raiz, na beira da estrada. Paramos para procurar algo bacana para comprar.

Qual não foi a nossa surpresa quando entramos!

A loja era de um artesão fantástico, um homem que muito conhecia sobre a história maia e que fazia réplicas de imagens encontradas em sítios arqueológicos. E, dentre muitas lindezas, havia muitas (MUITAS) imagens femininas. Eu o questionei a respeito e então ele abriu livros, caçou imagens impressas que guardava e nos ensinou muitas coisas. Dentre muitos de seus ensinamentos, ele nos falou mais sobre a Ilha de Jaina, e que a maioria das imagens de que eu perguntava foram encontradas lá.

A Ilha de Jaina é uma ilha mortuária artificial que os maias construíram (isso mesmo que você leu), é proibido entrar ou passar perto dela. Precisa de autorização do governo mexicano para ir até lá. Não precisa nem dizer que nós tentamos, não é mesmo?! Pois é, mas não conseguimos.

O fato é que as imagens femininas ali encontradas, e que o artesão replicava, mostram e comprovam a força do feminino maia, obscurecido, invizibilizado pelos olhos que registraram o passado desse povo. A maioria delas retrata Ixchel em diversas faces. As mais comuns são de Ixchel mãe, como uma mulher madura, porém jovem. Essa é Ixchel que fornece a fertilidade aos povos. Geralmente ela carrega peixes, que é o alimento principal por toda a costa, claro. Seus seios à mostra são fartos, férteis e ela tem uma beleza extremamente sensual. É retratada como uma mãe muito sensual, a própria figura da fertilidade. Com ela às vezes se vê uma figura de um coelho ou de um homem velho ou de um menino... todos são faces de Itzamna, uma das divindades masculinas mais importantes para os maias, criador do céu e da terra e do famoso calendário maia. Às vezes ela está como uma mãe zelosa a cuidar dele, noutras a imagem claramente mostra uma união sexual, afetiva, um casal sagrado. Algumas imagens também mostravam Ixchel velha, a terrível senhora da morte e dos finais, que sempre vem, mas a maioria era de Ixchel como a grande mãe daquela terra e daquele povo.

Tudo isso nos ensinou muito sobre a força e a importância dessa Deusa. Vimos in loco e tivemos a certeza de que há muito escondido, não descoberto, perdido, não visto... não revelado.

Quando lemos sobre Ixchel, sempre vemos associação dela com os animais, especialmente o coelho (Itzamna seria, então, a marca da lebre que vemos na lua associada a Ixchel?), a aranha e a serpente. A serpente, inclusive, sempre está entrelaçada a ela e subindo ao topo de sua cabeça. Sempre. O que nos diz que ela é a senhora de tudo que transforma, senhora da vida e da morte – o que, curiosamente, vamos ver em outras deusas das serpentes pelo mundo.

Ixchel é também chamada de Senhora do arco-íris. O que não me deixa esquecer da própria relação da serpente com o arco-íris, do próprio Kukulcan, a serpente emplumada. Fica aí a pista do mistério...

Ela muitas vezes é chamada de “a branca”, por sua relação com a lua em si e com o aspecto feminino da lua, que rege os ciclos femininos e as marés tão importantes para a fertilidade do povo maia. Ixchel é, acima de tudo, uma grande mãe provedora, nutridora, protetora da vida, dos partos e aquela que, fiandeira aranha e tecelã que é, dá o fim quando é chegada a hora de partir.

Tudo isso ficou muito claro para mim, ao estar tão próxima da história, por estar no solo sagrado dessa grande Senhora.

Convido vocês que não a conhecem, a conhecê-la.

Para agradá-la, de a ela alguns presentes.

Ela gosta de conchas, flautas, apitos, caracóis e espirais. Mas acima disso, ela gosta de generosidade, de ações justas. Ela gosta de coragem, ela gosta de atos sinceros. As melhores oferendas a Ela são as que são compostas de bravura, de honra, de amor, de respeito e de desapego.

Ela é uma Grande Mãe, com mãos terríveis e benevolentes. Ela é a pergunta e a justa resposta, ela é a senhora do sempre e a justa medida de todas as coisas.

Fale com ela, e eu tenho certeza de que será um reencontro inesquecível.

Um abraço,

Lua Serena

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