Em uma noite escura,
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.
Na escuridão, segura,
Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada,
Já minha casa estando sossegada.
Em noite tão ditosa,
E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa, Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava,
Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.
Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
Em meu peito florido
Que, inteiro, para Ele só guardava
Quedou-se adormecido,
E eu, terna, O regalava,
E dos cedros o leque O refrescava.
Da ameia a brisa amena,
Quando eu os seus cabelos afagava
Com sua mão serena
Em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.
Esquecida, quedei-me,
O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,
Largando meu cuidado
Por entre as açu
cenas olvidado.
cenas olvidado.
A NOITE ESCURA DA ALMA
É o nome de um maravilhoso poema de João da Cruz (São João
da Cruz, para os cristãos), que já virou canção pela voz da igualmente
maravilhosa Loreena McKennitt, fala da jornada de todo aquele que busca
mergulhar profundamente na sua espiritualidade. Embora tenha sido escrito por
um cristão, não descreve apenas a jornada de alguém dessa religiosidade, mas de
todo e qualquer ser que parte numa jornada de profundo encontro com o seu
sagrado, seja através de um ou de tantos Deuses. Por isso, o termo “noite escura
da alma” ou “noite negra da alma” é muito falado em meios espiritualistas, e
até mesmo no Neopaganismo.
Esse momento, todas as vezes que chega, traz consigo muita inquietação, medos,
inseguranças, atribulações... e até um sentimento de travessia solitária. Então,
sempre penso no 8 de copas, quando ouço a música da Loreena, quando me deparo
com o termo “noite escura da alma”, quando alguém vem me relatar esses momentos
difíceis do processo espiritual... por que esse mistério, esse arcano, nos fala
exatamente disso. Uma travessia na noite escura de nós mesmos, que é parte da
jornada de encontro com o nosso Sagrado. E uma jornada é feita de muitos dias e
noites... portanto, de muitas noites escuras. Nesses momentos, é preciso ter
calma e entrega, confiança no invisível, é preciso continuar... Daqueles que
trilham o caminho contigo, de seu sacerdote ou sua sacerdotisa é preciso
sensibilidade, empatia... De você é preciso que entenda, continue, não
abandone... persista... entregue e entregue-se... Até se perca um pouco, se for
para se encontrar. Pode ter certeza de que vai valer muito a pena. Com o tempo,
você olhará esse período com gratidão, como um momento de profundo aprendizado
e de amor profundo. Mesmo que às vezes você pareça não conseguir ver, os Deuses
são a própria escuridão transformadora, que faz brilhar a sua luz interna. E
ela te guiará exatamente para onde deve ir.
Recomento ler o poema do João da Cruz com os olhos da alma.
Beijos,
Lua Serena