“...Ó, óia o Mal, vem de braços e abraços com o Bem num romance astral...”
(Trem das 7 - Raul Seixas)
Estava conversando com um pessoal amigo sobre a existência de Deus e do Diabo e então me ocorreu escrever esse ensaio. Como pagã, ou neopagã, cultuadora de Deuses e Deusas pré-cristãos devo dizer que não acredito no Diabo! Bem, pelo menos não no Diabo do Cristianismo, Catolicismo, Evangelismo e afins. Trocando em miúdos, não acredito na figura do Diabo como mal absoluto. Aliás, não creio no mal absoluto. Vou começar a explicar por quê.
Primeiro de tudo, se Deus é tudo, como pode Deus não ser o Diabo? Como podem ser rivais, disputando território, se Deus fez tudo o que há e rege tudo o que há? Se Deus é onipotente, onisciente e onipresente, como o Diabo pode, em meio ao seu ardiloso jogo de ilusões enganar tanto e tomar tanto espaço nesse mundo, vasto mundo? Por que venhamos e convenhamos, dentro da idéia de que Deus e Diabo existem e a guerra do Bem contra o Mal existe, o mundo está mais para a cara do Diabo do que para a cara de Deus. Olhando a vida no mundo, quem está ganhando a guerra? A verdade é que essas perguntas já me causavam inquietações na infância, e talvez tenham sido decisivos para que eu deixasse o Cristianismo. Aliás, deixasse não, pois nem praticante dessa religião eu fui, mas nasci, como a maioria, no seio de uma família católica não praticante, outro absurdo na minha opinião, mas enfim... voltemos ao Diabo, Deus, bem e mal.
Com a bagagem mental cheia de perguntas, fui me lançando ao mundo e cresci assim, um ponto de interrogação ambulante que espera para se transformar num ponto de exclamação seguido de reticências – ponto final nunca! Confesso que agora que estou na versão 3.0 de mim aprendi que é essa transformação é bem complicada. Mais difícil que a lagarta que vira borboleta. Porém, sempre fui de pensar muito e bastante estudiosa, e por mais que fosse difícil, corri o mundo atrás de algumas respostas sobre o bem e o mal, Deus e Diabo.
Espiritismo, Umbanda, Candomblé, Rosacrucianismo, Paganismo, Bruxaria, Wicca, Eubiose, filosofia socrática, platônica, Nietzsche, Kierggaard, psicologia de Yung, Freud, Lacan, simbolismo, história antiga, história moderna, história de Roma, história grega, história sumeriana, celtas, etruscos, índios, Gimbutas, Frazer, Graves, Ucko, sei lá por onde mais eu andei. Percebi que não aprendi quase nada!
E por “increça que parível” só encontrei as respostas que me aquietaram um pouco dentro de mim mesma. Já tinham me avisado disso, mas só percebi quando aconteceu.
Embora eu não ache que o ser humano é o centro de tudo, acredito que muito é delimitado e limitado em razão de nós. As impressões, conclusões, sentimentos partem de dentro do ser humano. O exterior é visto, sentido e vivido de dentro para fora, sempre é nasce dentro, embora a materialização seja fora do ser humano.
Por isso que as respostas são encontradas dentro da gente? Sei lá. Só sei que foi assim que eu descobri que o mal não existe. Não, não é surto polianico, nem conjuntivite rosácea, não. Vou explicar por que o mal não existe, partindo adivinhem do que? Do que eu penso sobre Deus. Detesto ser óbvia, mas é condição humana.
Deus, e nesse momento não importa que para mim Deus tenha outro nome, é tudo. Deus é vida, morte, renascimento. Deus é o céu, a Terra, a Lua, Plutão e outros planetas. Deus sou eu, são vocês, é o bêbado caído na praça, a bailarina que rodopia para a platéia, Deus é o Bem e é o Mal. Deus é algo que não compreendemos muito bem, e é aí que começa toda o emaranhado.Por não compreender bem o que vem a ser Deus, a gente inventa ou reinventa Deus de acordo com as necessidades do momento. Meio que, “hoje eu estou carente, me vê um Deus paizão”, “me sinto uma mulher subjugada, uma Deusa soberana, por favor”, “to querendo invadir o país dos caras do lado, me vê um Deus nacional, aliás, um Deus para mim e um Diabo para os invadidos”... E nisso vai se formando uma confusão medonha. Ninguém entende mais nada. Se entender Deus já é complicado, com gente tendo para si que seu Deus é melhor que o Deus do outro, impondo o seu Deus como verdadeiro em detrimento do Deus do outro, então... estamos perdidos!
Para mim, bem e mal são coisas de Deus, são, na verdade, Deus. Enfim, bem e mal são faces da mesma moeda, uma moeda chamada Deus. Não significa que por isso a maldade seja algo menos mal, algo ameno, suavizado. Não é isso. Acontece que tudo faz muito sentido para mim quando afirmamos que DEUS É TUDO... Ora, se Deus é tudo, então é também o mal. E agora não tenho nem como fugir de dizer que dentro do pouco que aprendi vivenciando Deus como sendo tudo, o mal tem um propósito de ser que muitas vezes não conseguimos explicar ou compreender.Quantas vezes algo de ruim aconteceu e vocês choraram, sofreram, mas depois de um tempo, às vezes anos, se deram conta de que “há males que vem para o bem”? Sei que é difícil conciliar essa visão de totalidade quando pensamos em desgraças e injustiças. Mas penso que até mesmo grandes tragédias têm um motivo positivo por trás. Basta que consigamos enxergar, o que é muito difícil, realmente. Essa minha visão está longe de ser algo cor-de-rosa, como falei, pois já vi coisas acontecerem, maldades e desgraças que não havia razão de ser, nem que se revelou um bem aos envolvidos. Com isso, cheguei muitas vezes a questionamentos do tipo: “Será que estou pensando direito?” “Será que é isso mesmo?”
Sempre cheguei à conclusão que sim, a idéia de que tudo tem um propósito e na verdade o bem é que é absoluto, não o mal, me pareceu até hoje o mais parecido comigo, pois eu também sou o bem e o mal.”Deus fez o homem sua imagem e semelhança”. Talvez seja por isso a minha quietude diante dessas idéias sobre o bem e o mal.
Não há mal absoluto, ele não existe por si. E é por isso que dou todo o apoio à frase evangélica “Deus é amor”. Sim, por que se para mim bem e mal são Deus, e o mal não é aquilo que como aprendemos. “O Diabo não é tão feio como pintam”.
Por isso deve haver algum propósito nos males do mundo, nas misérias e desgraças da vida no mundo, seja terrorismo em uma escola infantil na Rússia, seja a miséria cotidiana que vejo nas ruas por onde eu ando, seja na minha própria vida. E talvez esse propósito esteja bem além do que podemos de fato aprender e compreender, tal qual Deus.
Então chego à conclusão incrível de que o mal, como nos foi apresentado, não existe. O mal absoluto, o Diabo, o Demônio, tudo como foi e é propagado por algumas crenças, no meu modo de ver, não existem. O mal nem existe por si mesmo por que ele vem sempre de uma causa por trás da ação maldosa. Há uma razão, um motivo por trás do mal, talvez da mesma maneira que haja um propósito.
Em geral, a falta ou o amor sentido, vivido ou compreendido de forma errada, sempre como uma manifestação da dor. Alguém que mata outro para roubar um tênis, uma criança que leva um tiro na cabeça por que chorou durante um assalto, pessoas que cometem atos como esses, sofre de falta de amor ou entende o amor de uma forma distorcida, deturpada. É como se o mal tivesse origem na dor e a dor tivesse origem na falta ou incompreensão do amor, Deus. E talvez tudo isso tenha um propósito. Alguns dizem que o propósito é aprender. Consigo viver com isso por hora.
Diante desses pensamentos, concluo que o mal não existe por si. No entanto, o amor sim. Naturalmente sentimos amor. Toda criança nasce e cresce amando, seja um cachorro, a mãe, o pai, os brinquedos. O amor em suas muitas manifestações é algo inerente a todo ser humano, não precisamos nos esforçar para amar. Por outro lado, não sentimos ódio naturalmente, não conheço alguém que tenha nascido odiando, salvo o Damian, de A Profecia. Já o amor não requer provocação, amamos quem amamos e pronto, é assim que é. O amor está sempre presente e existe por si, independe de motivo.Logo, o que existe de fato e por si mesmo é o amor, só ele é absoluto. O mal não é exatamente o que nos levaram a crer, não é absoluto, existe em função de uma distorção do próprio amor, meio que a sombra do amor... meio que amor? E nisso tudo há um propósito que nos faz encarar a face de Deus.
Para mim, faces... masculina e feminina.